segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Constitucionalidade da Lei de Arbitragem 9.307/96

Efeitos da Lei de Arbitragem na legislação processual brasileira

Cristina Zanello, Advogada em Curitiba (PR),
Consultora e Especialista em Direito Empresarial

A Arbitragem instituída pela Lei 9.307/96, no Brasil ganhou força inquestionável com a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou, em questão levantada incidentalmente (STF- SE - 5.206 - DJU de 19/12/01), a constitucionalidade das formas de instituição da Arbitragem, bem como os efeitos da sentença arbitral e as alterações no Código de Processo Civil Brasileiro previstos nesta Lei.
A mencionada decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal se deu em Agravo Regimental no processo de Sentença Estrangeira, protocolada em 01/09/95, sob nº 5.206, onde se discutiu a homologação de laudo arbitral da Espanha que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais (MBV COMMERCIAL AND EXPORT MANAGEMENT ESTABLISHMENT e a RESIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA) sobre a existência e o montante de créditos a titulo de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior.
O pedido de homologação do laudo arbitral, por ausência da chancela, de autoridade judiciária no Reino da Espanha, foi negado mediante despacho, do qual foi interposto Agravo Regimental, pela empresa MBV, então Requerente.
O MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR), votou pelo provimento ao Agravo Regimental homologando o laudo Arbitral. No entanto, o julgamento foi convertido em diligência para ouvir o Ministério Público Federal sobre a Constitucionalidade da Lei nº 9.307/96 e seus reflexos quanto à homologabilidade do laudo no caso concreto.
Em 12/12/01, o Agravo Regimental foi provido tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como titulo executivo judicial, bem como para declarar a constitucionalidade da referida Lei com as suas inovações e sua conseqüente dispensa de homologação do judiciário, no País de origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). Tal decisão assegurou, ainda, a completa assimilação da Sentença Arbitral no direito interno.
A referida decisão do Pleno do STF julgou constitucional os termos do parágrafo único, do art. 6º, do art. 7º e seus §§, ambos da Lei de Arbitragem (9.307/96), bem como a redação que esta deu em seu art. 41, ao inciso VII, do art. 267 e ao inciso IX, do art. 301 do Código de Processo Civil, além da inserção do inciso VI no art. 520, também deste Código julgado pelo Pleno e, 12/12/2001, Ata publicada e, 19/12/2001).
Por seu turno, os artigos 6º e 7º da Lei 9.307/96 dispõem sobre a conduta das partes para instituir a Arbitragem, quando já decidiram anteriormente, através de cláusula compromissória a decidir as controvérsias originárias da relação obrigacional, pela via extrajudicial.
Assim, quando na cláusula arbitral assinada pelas partes, não constar a forma de instituição ou a entidade que administrará o processo arbitral, as partes devem estabelecer as regras mediante um compromisso arbitral.
Recusando-se uma das partes à comparecer para a celebração do compromisso ou resistindo à utilização da arbitragem, a parte interessada deverá recorrer ao Judiciário.
Caberá ao Juiz que seria o competente para julgar o litígio caso as partes não tivessem optado pela Justiça Privada, tão somente analisar a cláusula arbitral assinada pelas partes e citar a parte resistente, para decidir sobre o compromisso arbitral, independentemente de acordo das partes ou do comparecimento da Requerida em audiência.
"Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.
Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.
Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.
§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.
§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.
§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.
§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.
§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.
§ 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.
§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.
Depreende-se do exposto, que apesar da Lei de Arbitragem ter sido editada em setembro de 1996, acabando com o sistema anterior, em que o Árbitro proferia um Laudo Arbitral sujeito à homologação do Poder Judiciário para ter a qualidade de título executivo, o paradigma só começou a ser quebrado, efetivamente, com a decisão do Supremo Tribunal Federal no Agravo Regimental da Sentença Estrangeira, supra comentada, proferida em 12 de dezembro de 2001.
De conseguinte, ocorreram os reflexos na legislação brasileira, sendo que, de imediato, no Código de Processo Civil Brasileiro, com as alterações promovidas pela própria Lei 9.307/96, em suas disposições finais:
Disposições Finais
Art. 41. Os arts. 267, inciso VII; 301, inciso IX; e 584, inciso III, do Código de Processo Civil passam a ter a seguinte redação:
"Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:
VII - pela convenção de arbitragem;
Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
IX - convenção de arbitragem; ".
Levada ao Judiciário lide que deveria ser resolvida por arbitragem, em razão de convenção anterior entre as partes caberá a extinção do processo como questão preliminar, ou seja, antes do julgamento do mérito.
Não poderá, o Juiz, analisar essa matéria de ofício, segundo o disposto no art. 267, parágrafo 3º e 301, parágrafo 4º do Código de Processo Civil. A existência da convenção arbitral (cláusula arbitral ou compromisso arbitral) deverá ser denunciada pela parte interessada.
"Art. 584. São títulos executivos judiciais:
III - a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação; ".
A leitura deste dispositivo, combinada com a do artigo 18 da Lei de Arbitragem que estabelece que o Árbitro é Juiz de fato e de direito, assegura a qualificação da Sentença Arbitral como título executivo JUDICIAL.
Assim, determina que a Sentença Arbitral não necessita de homologação por ato do Juiz Estatal para ter validade e eficácia.
"Art. 42. O art. 520 do Código de Processo Civil passa a ter mais um inciso, com a seguinte redação:
"Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
VI - “julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.”
De conseguinte, apesar do recurso de Apelação da sentença que julgou procedente o pedido de instituição da arbitragem poderá ser, desde logo instituído o processo arbitral sem aguardar decisão da instância superior.
É evidente que será nula a decisão arbitral, se em final instância decidir-se pelo não provimento do pedido de instituição de arbitragem. Mas, isto só será possível mediante algum erro formal na cláusula arbitral assinada pelas partes.
Existe a possibilidade de uma cláusula arbitral não conter os requisitos mínimos necessários para que, no futuro, quando da ocorrência de um litígio, venha a surtir efeitos para a instituição da arbitragem. Por exemplo: a) constar no mesmo contrato uma cláusula arbitral para solução de controvérsias e uma cláusula sobre o foro; b) constar cláusula arbitral cujo conteúdo fale de mediação e conciliação no lugar de falar em arbitragem para a solução de controvérsias.
Segundo a jurista Selma M. Ferreira Lemes, membro da Comissão Relatora da Lei de Arbitragem (1), as cláusulas arbitrais ou compromissórias, podem não gerar nulidade quando estão apenas incompletas. São as chamadas cláusulas em branco ou vazias, as quais são suscetíveis de validade, como por exemplo: a) as cláusulas que não esclarecem a forma de eleição dos árbitros; b) cláusulas que não esclarecem se a arbitragem será regida por uma Instituição (adesão ao Regulamento de uma Câmara de Arbitragem) ou ad hoc (regulamento definido pelas próprias partes); c) cláusulas arbitrais que indicam erroneamente o nome da Instituição escolhida.
Nesse caso, o Judiciário deverá buscar a verdadeira vontade das partes em resolver o litígio pela Justiça Privada ou pela Justiça Estatal.
Instituída a Arbitragem e desenvolvendo-se o processo formalmente, de acordo com os princípios fundamentais previstos no ordenamento jurídico, como o da isonomia, do contraditório, da moralidade entre outros, não há como ser alegada a nulidade da decisão arbitral.
Quanto ao mérito, a decisão arbitral não poderá ser revista pelo Poder Judiciário, em qualquer hipótese, conforme assegurado pela Lei de Arbitragem o qual teve a constitucionalidade de seus dispositivos reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2001, conforme anteriormente mencionado.
Resta agora divulgar, disseminar junto à sociedade brasileira a quebra do paradigma referente à dúvida quanto à eficácia da decisão arbitral.
A Arbitragem é um avanço na solução de controvérsias em razão de envolver a vontade das partes envolvidas em resolver o litígio, sendo que é uma via sem volta, há muito já recepcionada nas relações internacionais, alcançando especificamente os direitos disponíveis dos interessados, como vemos nas relações comerciais, as quais, com o avanço da tecnologia, se tornaram mais informais e, conseqüentemente, ganharam maior celeridade.
O processo arbitral acompanha essa mudança e auxilia a reduzir, ao menos em parte, o congestionamento de processos no Poder Judiciário.
Os advogados também ganham muito com a Arbitragem porque, apesar de não ser obrigatória a sua participação no processo Arbitral, as partes sempre procuram estar representadas por este profissional tendo em vista a natureza do instituto. E mais, os advogados e demais operadores do direito ganham, pelo fato do processo de desenvolver por prazo máximo de 180 dias, estabelecido na Lei 9.307/96, sendo que não terão mais, que aguardar de 10 a 20 anos para receberem os seus honorários.
Assim, com a Arbitragem ganham todos, o Poder Judiciário, os operadores do direito e as partes.

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6300

Ainda sobre a constitucionalidade da lei de arbitragem

Marco Aurélio Gumieri Valério,
Advogado, professor da FEA-USP/RP,
Mestre em Direito pela Unesp

Introdução

A Arbitragem é um meio extrajudicial de resolução capaz de dirimir contendas entre particulares, podendo ser determinada na elaboração do contrato, pela cláusula arbitral ou depois do surgimento da questão controvertida, pelo compromisso arbitral, ambos dando início ao que se convencionou chamar de juízo arbitral, sendo também obrigação das partes a indicação de um ou mais terceiros para serem árbitros.
A substancial alteração dada ao juízo arbitral, pela Lei n. 9307/96, com a introdução da execução compulsória da cláusula arbitral, a dispensa da homologação por juiz togado da decisão do árbitro e a irrecorribilidade da sentença arbitral, antes inexistentes no ordenamento jurídico brasileiro, reacendeu a antiga discussão quanto à constitucionalidade deste instituto, trazendo à tona antigas discussões doutrinárias.
Com o advento dessas novidades, os contrários à implementação de qualquer modelo alternativo de resolução de conflitos, em especial a arbitragem, angariaram novas armas para atacar este instituto.
Estariam em desacordo com a nova lei princípios constitucionais como da inafastabilidade do controle judicial (CF art. 5º, XXXV), a garantia do devido processo legal (CF art. 5º, LVI), o da ampla defesa e da dupla instância de julgamento (CF art. 5º, LV), o princípio que impossibilita a criação de juízo ou tribunal de exceção (CF art. 5º, XXXVII) e, ainda, o do juiz natural (CF art. 5º, LIII).
Como dito anteriormente, a arbitragem está inserida na redação das cartas magnas desde a primeira, a de 1824, onde, no art. 126, era prevista a instauração de juízo arbitral para a resolução de divergências civis, através de árbitros nomeados pelas partes. Seguindo os mesmos rumos, a CF de 1934 referia-se à arbitragem comercial entre os objetos da legislação federal no seu art. 5º, inc. XIX.

A CF de 1946, no seu art. 141, § 4º previa, pela primeira vez, a garantia expressa de amplo acesso à justiça, ao ser ditado pelo constituinte que "a lei não excluirá da apreciação do Judiciário, lesão ou ameaça de direito".(1)
Este dispositivo foi mantido nas Constituições de 1967 e 1969, mesmo escritas a baionetas, respectivamente, nos arts. 150, § 4º e 153, § 4º.
O constituinte de 1988 também ratificou tal dispositivo, mantendo-o no art.5º, inc. XXXV.
A maior dúvida surgida da inclusão deste princípio em todas as constituições posteriores à de 1946 advém da conclusão de que o legislador previu a existência de um monopólio estatal da prestação jurisdicional, afastando-se, assim, qualquer meio extrajudicial de resolução de controvérsias, inclusive a arbitragem.
Na lição de PONTES DE MIRANDA, a mais típica e mais prestante criação do constituinte de 1946 teria acertado em cheio o que não mirava, pois, das várias interpretações que seguiram a esta disposição constitucional, surgiram as que viam neste, a inconstitucionalidade da arbitragem.(2)
Neste capítulo procurar-se-á levantar os principais motivos dessa discussão, já considerada histórica no ordenamento jurídico pátrio, bem como apresentar modesta análise quanto a esta controversa questão.

2. A Arbitragem e o art. 5º, inciso XXXV da CF

Para que esse dispositivo seja corretamente interpretado, há que se levar em consideração, as razões históricas do seu aparecimento no nosso sistema legal. Ao contrário do que se chegou a pensar, na legislação pátria nunca houve a previsibilidade de um monopólio estatal na prestação jurisdicional.
O aludido princípio constitucional não teve o intuito de se referir à arbitragem ou a qualquer outro meio de composição extrajudicial, mas sim, o de se declarar o repúdio da sociedade a abusos cometidos durante a ditadura varguista. O dispositivo em questão teve por finalidade acabar com comissões e conselhos extraconstitucionais, responsáveis por inquéritos policiais e parlamentares, que eram levados de forma sumária, excluindo o reexame da questão pelo Poder Judiciário, sem a observação de princípios constitucionais como o do contraditório e da tutela jurisdicional.
Na verdade, conforme a lição de PEDRO ANTONIO BAPTISTA MARTINS:
"O legislador visou socorrer ou proteger o cidadão de eventual abuso cometido pelo executivo e pelo legislativo como, aliás, ocorre em qualquer democracia".(3)
De acordo com PONTES DE MIRANDA, a norma explicitada dirige-se aos legisladores ordinários:
"Estes, nenhuma regra jurídica podem editar, que permita preclusão em processo administrativo, ou em inquérito parlamentar, de modo que se exclua a cognição pelo Poder Judiciário, se a res reducta é direito individual. A CF de 1946 foi como a reaquisição do tempo perdido: pôr-se uma regra jurídica explícita o que se teria obtido, através dos intérpretes, em regra jurídica não-escrita".(4)
Percebe-se, pela leitura do texto, que o dispositivo constitucional em questão nada mais fez do que tornar explícito o que estava implícito no ordenamento jurídico nacional.
O juízo arbitral, mesmo da forma como era antes tratado nos Códigos Civil e de Processo Civil, já configurava uma justiça ou uma jurisdição privada, sendo assim, a utilização deste instituto, não desrespeita em nenhum aspecto, o princípio do controle judicial dos atos ameaçadores ou lesionadores de direito contido no art. 5º, inc. XXXV.
O nosso sistema jurídico admite outras formas de composição de conflitos fora da jurisdição estatal como, por exemplo, a transação, figura jurídica próxima do juízo arbitral como meio legal posto à disposição dos contendores para a solução de suas pendências, a qual produz o efeito de coisa julgada, art. 1030 do CC, somente admitindo rescisão em caso de dolo, violência ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.
Assim, segundo o raciocínio de DEMÓCRITO RAMOS REINALDO:
"A prevalecer o entendimento de que, a arbitragem seria inconstitucional por impedir o exame do juiz das demandas submetidas, baseados no art. 5º, inc. XXXV da CF, esta interpretação deveria atingir, por analogia, outros meios de resolução de controvérsias extrajudiciais. Qualquer ato de resolução de pendências como, por exemplo, uma renegociação, uma transação extrajudicial, uma confissão ou uma cessão de direitos somente seria válida se homologado ou mesmo decidido pelo juiz. Nada diferencia a arbitragem destes outros meios extrajudiciais a ponto de ser tratada de forma diferente por alguns juristas".(5)
Assim sendo, com a celebração da convenção de arbitragem, acertada anteriormente pela cláusula arbitral ou posteriormente, pelo compromisso arbitral, as partes transferem a jurisdição para um destinatário privado. O ato de escolha de um árbitro para solucionar-lhes a pendência não significa renúncia ao direito de ação, mas sim, um livre ajuste na forma pela qual se comprometem a por um fim a uma lide.
Se a convenção entre particulares é a causa principal geradora de direitos e obrigações na ordem jurídica privada, parece lógico que possam também utilizá-la para resolvê-los ou extingui-los. Se o titular de um direito disponível pode renunciá-lo então, por dedução lógica, pode escolher a forma de solucionar controvérsia em torno desse mesmo direito.
Por essa razão é que se entende que a instituição do juízo arbitral, mesmo com as atuais modificações já enumeradas, não constitui ofensa a qualquer princípio constitucional. Não se nega o acesso do cidadão ao Judiciário, apenas se permite que ele, titular de um direito material, decida sobre a forma de solucionar a questão em torno desse direito disponível, se por meio da jurisdição estatal, ou se através de uma jurisdição privada.
Da leitura da lei, observa-se que sempre quando houver lesão ou ameaça de direito patrimonial e a parte afetada não aceitar a arbitragem, restará aberta a possibilidade de se requerer a tutela estatal, ou seja, de acionar o Judiciário.
Caberá ao Judiciário, pelo art. 7º, decidir acerca da instituição da arbitragem na hipótese de resistência de uma das partes signatárias da cláusula compromissória; segundo o art.11, é do Judiciário o controle de controvérsia acerca de direitos indisponíveis, verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento; pelo art. 33, o acesso ao Judiciário também é garantido para se declarar nulidade da sentença arbitral; para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira se sujeitará, segundo o art. 35, à homologação do STF; e, tem-se, por fim, no art. 41, outras duas possibilidades de atuação do Judiciário, pois este assegura a execução coativa da decisão arbitral e a efetivação de eventual medida cautelar deferida pelo árbitro.
Dessa forma, não há como se alegar que a nova lei exclua da apreciação do Judiciário, lesão ou ameaça de direito, pois este Poder está presente no exame de todas as questões jurídicas de relevância e de sua capacidade. O contido do art. 5º, XXXV, deve ser entendido como regra de coibição de abuso de direito, de ato arbitrário ou ilegal e somente nestes casos deve ser acionado.

3. A arbitragem e o art. 5º, incisos LIV e LV da CF.

Para reforçar a tese da inconstitucionalidade da Lei n.9307/96, sustenta-se ainda que o juízo arbitral ofende o princípio da ampla defesa, formalmente asseguradora do due process of law(6), ou ainda, a dupla instância de julgamento(7), ambos garantidos respectivamente, pelos incisos LIV LV, do art. 5º da CF.
Para SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:
"O juízo arbitral tem na simplificação do procedimento uma de suas facetas, porque é da simplificação dos ritos que decorre a celeridade, esta se apresentando como uma das principais vantagens sobre o processo judicial. Utilizando-se somente o indispensável, garante-se a praticidade e, conseqüentemente, a brevidade, sem se sacrificar qualquer direito das partes".
Sendo assim, o procedimento arbitral organiza sua atividade instrutória tendo, como requisitos mínimos previstos no § 2º do art. 21 da lei de arbitragem, o princípio do contraditório e da igualdade entre as partes, que assegura o equilíbrio de tratamento, condicionando a atividade do árbitro, dispensando-se uma ampla burocracia para os atos a serem providos sob o comando deste.
Nesse sentido:
"Mesmo sem formas predeterminadas a que estaria subordinado o cumprimento dos atos e trâmites do processo, a partir da instauração do juízo arbitral, não se pode dispensar o tratamento equânime das partes, na produção de atos instrutórios e defesa de seus respectivos interesses".(8)
Ainda pela análise da lei, percebemos que o princípio recursal não é violado. O disposto no art. 18, que promove a decisão arbitral a título de sentença, livrando-a da homologação e de vias recursais pelo juiz togado, apesar da aparente contradição com o já citado art. 33, que permite à parte interessada pleitear ao Poder Judiciário a decretação da nulidade da sentença arbitral, não o é, pois, como ainda nos socorre SÁLVIO TEIXEIRA:
"O que se procura levar em conta nesta hipótese é a extrema plausibilidade do acordo feito entre as partes, sendo inadmissível voltar atrás, exceto em casos determinados, previstos pela legislação. Trata-se da velha máxima segundo a qual, o que foi pactuado, deve ser cumprido".(9)
A arbitragem é uma opção, uma faculdade das partes de se decidirem pela utilização de um meio baseado na confiança para a resolução de suas diferenças. Sendo assim, ir contra a decisão do árbitro escolhido pela própria parte que decidiu baseado em regras também convencionadas pela parte seria ir contra os princípios básicos do próprio instituto, por isso a não existência de recurso ou homologação.

4. A arbitragem e o art. 5º, incisos XXXVII e LIII da CF.

Ainda como entrave de ordem constitucional à sobrevivência da Lei de Arbitragem, argumentam os seus opositores que ela atenta também contra o princípio do juiz natural contido na CF, art. 5º, inc. LIII e contra o princípio que impede a criação de juízo ou tribunal de exceção, previsto no inc. XXXVII deste mesmo artigo.
O princípio do juiz natural tem a ver, segundo SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:
"Com a garantia do jurisdicionado que sua causa seja processada perante o juiz cuja competência decorra das leis processuais. Como, em nosso sistema normativo, a própria Constituição distribui entre os diversos órgãos judiciários as atribuições jurisdicionais, delineando em primeiro plano as diferentes competências, diz-se que o princípio em questão tem fonte constitucional". (10)
Poder-se-ia alegar, embasados na observação do enxerto acima, que a lei ordinária não poderia, por si só, modificar a jurisdição conferida a juízes e Tribunais.
Realmente, esse não é o poder conferido a lei ordinária, mas, o que a Constituição faz, é distribuir a competência entre os diversos órgãos judiciários, ou seja, ela reparte a competência derivada da jurisdição estatal, cuja distribuição fica a cargo desses órgãos, dependendo da natureza de cada demanda. O princípio do juiz natural, assim, tem a ver com a jurisdição estatal.
Assim, optando por requerer a tutela jurisdicional conferida pelo Estado, o poder de julgar, é exercido em nome dele, como expressão de sua soberania. No desenvolvimento da atividade estatal, a ninguém é dada a faculdade de exercer funções cometidas com exclusividade ao órgão competente segundo as normas de ordem pública.
Quando, por outro lado, as partes optam por resolver a demanda em juízo arbitral, a solução não requer a atuação do corpo estatal. A jurisdição estatal não é provocada para dar uma solução ao caso resolvendo, seus interesses, sem se falar em ajustamento ao princípio do juiz natural. A solvência, ao contrário, resulta da livre autonomia das partes, por meio da escolha de um intermediário que resolve a contenda.
É indispensável observar-se que, a arbitragem, é uma opção convencional e subsidiária de jurisdição, por isso, somente foram necessárias mudanças na legislação que trata do juízo arbitral, ou seja, o Código Civil e de Processo Civil.
Na opinião de DEMÓCRITO RAMOS REINALDO:
"Não houve invasão da esfera de atuação do Judiciário, cujos diversos órgãos, singulares ou colegiados, da Justiça Comum ou das Justiças especializadas, continuam com a mesma competência". (11)
Se, por acaso, a disposição legal fosse outra, e tivesse havido a transferência de parte do poder jurisdicional estatal ao juízo arbitral, extirpando-se parte da competência dos órgãos judiciários e restringindo sua atuação àquelas causas em que, pela sua natureza, não pudessem ser resolvidas no juízo privado, aí sim seria necessária uma alteração na própria Constituição, sob pena de contrariar os princípios constitucionais aqui analisados, coisa que, obviamente, não ocorreu.

5. A inconstitucionalidade dos arts. 6º, 7º, 41 e 42 da Lei n. 9307/96 no STF.

A discussão que surgiu há quase quatro anos no Supremo Tribunal Federal em torno da Lei n.9307/96, não concluída até a data em que o presente trabalho foi elaborado, refere-se, não propriamente à constitucionalidade da arbitragem que, apesar das já aludidas posições em contrário, pode ser considerada ponto pacífico de discussões, mas refere-se à constitucionalidade da principal inovação introduzida na legislação especial, qual seja, a executoriedade da cláusula arbitral prevista no parágrafo único do art. 6º e, no art. 7º, em seus sete parágrafos.
Essa questão está sendo debatida como incidente de inconstitucionalidade no julgamento do Agravo Regimental em Sentença Estrangeira 5206-8/247 do Reino da Espanha, ainda não concluído no STF.(12)
O voto do relator, Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, acompanhado pelo Ministro Sidney Sanches, reconhece a constitucionalidade da arbitragem, porém, considera inconstitucionais os dois artigos, porque:
"A renúncia à jurisdição estatal na cláusula compromissória ainda é genérica, de objeto indefinido à garantia constitucional de acesso à jurisdição, cuja validade os princípios repelem".(13)
Isso tornaria inconstitucional qualquer norma que trate de sua execução compulsória.
Já no voto do Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, que considerou este julgamento um dos mais importantes já submetidos ao STF, pronunciou-se favorável à constitucionalidade dos artigos, enfatizando que:
"O legislador foi cuidadoso, não barrou o acesso ao judiciário quando os conflitos envolvem direitos indisponíveis. Os dois artigos não impedem isso, ao contrário, é uma consagração à liberdade e ao princípio da vontade do cidadão garantidos na Constituição".(14)
A ministra ELLEN GRACIE NORTHFLEET, último voto pronunciado até agora, computando nove, num total de onze votos, adotando a posição que se tornou majoritária no Supremo, declarou:
"Não vejo renúncia à tutela judicial neles, mas uma mudança no foco e na ocasião em que se dará o apelo ao Judiciário. O cidadão pode invocar o Judiciário para solucionar os conflitos, mas não está proibido de acessar outros meios".(15)
Suprimir a executividade da cláusula arbitral significa a quebra da convenção de arbitragem, podendo tornar a nova lei, em nosso ordenamento jurídico, letra morta. A possibilidade de se perder, com uma única penada, todo o avanço conquistado na matéria de arbitragem está sendo afastada. No último dia 03 de maio do corrente ano, o Supremo deu um passo decisivo para o pleno êxito da arbitragem no Brasil, pois, com o voto da ministra, passaram ao número de seis, entre onze ministros que não julgam inconstitucionais os dispositivos contidos nos artigos 6º e 7º.
Evitem-se os desvios na arbitragem, porque a inegável mutação do procedimento arbitral leva a uma regressão.

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2731

JUIZ MEDIADOR INTERNACIONAL DE CONFLITOS

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